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Nova tese ressuscita processos por crime de sonegação fiscal

Após quase dez anos praticamente desaparecido do cenário dos crimes econômicos, a sonegação fiscal ressurge com o fantasma da possibilidade de condenação penal de empresários

Laura Ignacio

Após quase dez anos praticamente desaparecido do cenário dos crimes econômicos, a sonegação fiscal ressurge com o fantasma da possibilidade de condenação penal de empresários que, no passado, tiveram suas empresas autuadas pelo fisco em função do delito. Advogados criminalistas estão às voltas com processos criminais por sonegação decorrentes de autuações do fim dos anos 90 e início da década atual - que todos já davam como casos encerrados. O motivo é uma nova tese desenvolvida pelo Ministério Público que vem obtendo sucesso no Poder Judiciário: a de que, se a ação penal por sonegação fiscal só pode ser ajuizada após o fim do processo administrativo - como já definiu a jurisprudência do Supremo Tribunal federal (STF) -, a contagem do prazo de prescrição do crime fica suspensa ou só começa a correr a partir do julgamento definitivo da autuação na esfera administrativa.

No passado, a iniciativa de buscar punição para a sonegação fiscal foi de um grupo de procuradores gaúchos, que conseguiu na Justiça decisões determinando a prisão de diversos empresários de porte no Estado. Na década de 90 o Ministério Público fez um acordo com a Receita Federal no Rio Grande do Sul e os juízes do Estado para garantia maior agilidade nos julgamentos e fazer valer a Lei nº 4.729, de 1965, que regula o crime de sonegação fiscal. O resultado foi a condenação de empresários de porte - como a de executivos da fábrica de sapatos Ortopé, de Gramado e da indústria de produtos de couro Fasolo, de Novo Hamburgo.

Ao longo do tempo, no entanto, advogados criminalistas conseguiram emplacar na Justiça diversas teses que praticamente colocaram uma pá de cal na possibilidade de condenação por crime de sonegação fiscal. Ainda em 1995, a Lei nº 9.249 instituiu que o pagamento da dívida tributária extingue a punibilidade - que passou gradativamente a ser aplicada com mais rigor pela Justiça. Em 1998, a Lei nº 9.714 alterou o Código Penal possibilitando a aplicação de penas alternativas para crimes de menor potencial ofensivo - como o de sonegação fiscal. Em 2003, a Lei nº 10.684 permitiu que o parcelamento seja admitido como pagamento, eliminando a possibilidade de punição pelo débito fiscal e, no mesmo ano, o Supremo decidiu, enfim, que o inquérito penal só pode ser aberto após o fim do processo administrativo.

Agora, procuradores e promotores de São Paulo resolveram fazê-los "provar do próprio remédio": se a ação penal depende do fim do julgamento na esfera administrativa, o mesmo vale para a prescrição do crime de sonegação. Isso porque, muitas vezes, o fisco leva cinco anos para fiscalizar uma suspeita de sonegação e o julgamento das autuações na esfera administrativa pode levar outros cinco - prazo suficiente para que o crime prescreva antes mesmo de o Ministério Público oferecer a denúncia e a ação penal começar a tramitar na Justiça. "O grande problema é não haver uma legislação que imponha um prazo para o fim do processo administrativo, que demora demais", afirma o promotor Fernando Arruda, do Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Crimes de Sonegação Fiscal (Gaesf) do Estado de São Paulo, que está utilizando a nova tese jurídica junto com a Procuradoria Regional da República da 3ª Região na tentativa de barrar a extinção de processos penais por "prescrição penal".

No Poder Judiciário, a tese tem tido sucesso. Em uma das decisões já obtidas, proferida em janeiro, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou que o prazo de prescrição penal começasse a correr em 9 de novembro de 2007, mesma data da publicação da decisão administrativa definitiva. Uma decisão da primeira turma do Supremo, de fevereiro, vai no mesmo sentido. A tese nasceu da análise cuidadosa da decisão do Supremo que determinou a necessidade do término do processo administrativo para que a ação penal comece a tramitar. "Se não existe crime antes do fim do processo administrativo, então o prazo de prescrição só deve começar a correr após o julgamento definitivo administrativo também", diz Luiza Frischeisen, procuradora-chefe do Procuradoria Regional da República da 3ª Região. "É uma questão de lógica."

Criminalistas, no entanto, já defendem seus clientes com o argumento de que, para ser possível considerar o processo administrativo como causa de suspensão da prescrição penal, seria necessário haver uma lei específica que afirmasse exatamente isso. "Se o flagrante só pode ser dado no momento em que o crime ocorreu, não posso prender a pessoa dez anos depois, quando acaba o processo administrativo", argumenta o advogado Luiz Guilherme Moreira Porto, sócio do escritório Reale e Moreira Porto Advogados Associados. O advogado alega ainda que o Código Penal determina que o prazo de prescrição penal começa a contar a partir da data do fato criminoso - como o momento em que notas fiscais subfaturadas são emitidas por uma empresa, por exemplo. Já o professor de direito penal da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (GVlaw), Celso Sanchez Vilardi, afirma que só uma lei federal pode legislar sobre a prescrição penal - portanto o Judiciário não teria o poder de criar essa suspensão.