Contratar e capacitar pessoas são dois desafios enormes em qualquer área. No segmento de energia, contudo, existem razões para esses serem elementos ainda mais basilares para o dia a dia de qualquer companhia. Vivemos globalmente um processo de transição da matriz energética, que foi muito discutido nos últimos meses por causa da COP28. A agenda política e ambiental demanda uma concentração de investimentos em energia renovável, com um processo mais eficiente e tecnológico. Com isso, o perfil de profissionais também tem mudado e vai seguir mudando nos próximos anos.
O texto final da COP28 fala em uma meta global de triplicar a capacidade de energias renováveis, iniciativa central para limitar em 1,5ºC o aquecimento médio do planeta. Segundo um relatório da IEA (Agência Internacional de Energia), as renováveis respondem por apenas 40% da matriz internacional atualmente, mas o investimento em energia limpa chegou a US$ 1,6 trilhão (R$ 7,8 trilhões) em todo o mundo em 2022, alta de 15% em relação ao ano anterior.
O anuário de energia renovável e emprego, publicado pela IRENA (Agência Internacional de Energia Renovável, em inglês), mostra que em 2022 o setor de energias renováveis abriu mais de 1 milhão de novos empregos (de 12,7 milhões para 13,7 milhões). Em 2012, segundo o documento, essa seara tinha 7,3 milhões de pessoas entre vagas diretas e indiretas. O crescimento tem sido concentrado nos últimos anos.
Há um recorte exemplar na energia eólica. Como mostra o “Global Wind Worforce Outlook”, que faz uma projeção sobre esse segmento específico entre 2023 e 2027, quase 43% dos 574,2 mil técnicos que serão necessários nessa área no próximo quadriênio ainda precisam ser contratados. O estudo também estima que haverá um crescimento maior em operação e manutenção, que devem saltar de 42% para 46% do total de vagas entre 2023 e 2027 (em compensação, haverá uma redução em construção e instalação).
A mudança pode ser acompanhada na AES Brasil, companhia de geração de energia 100% renovável. A empresa dobrou nos últimos seis anos sua capacidade instalada, passando de 2,7 GW exclusivamente hídricos para 5,2 GW distribuídos entre as fontes hídrica, eólica e solar. Até pouco tempo atrás, por exemplo, pouco importava o que um ventólogo fazia. Hoje esse trabalho é imprescindível. É preciso entender quando venta, por que venta, se venta de dia ou à noite, qual a janela de oportunidade para fazer manutenção de máquinas.
O trabalho de quem atua nas usinas é extremamente meticuloso. É quase como uma pessoa que opera uma sala de comando de aeroportos – claro que numa proporção menor de responsabilidade x quantidade. Demanda maturidade, alto conhecimento técnico e o entendimento de muitas especificidades. Por isso, o processo de capacitação e treinamento é central em toda a gestão de pessoas.
Existe, por exemplo, um cálculo muito aprofundado sobre a relação entre o número de máquinas e de técnicos. Eu consigo saber, de acordo com o perfil do ativo, a quantidade e o perfil das pessoas para fazer uma gestão de excelência. Também desenvolvemos em Bauru (SP) um centro que possibilita a operação remota dos ativos na maioria do tempo. Além de padronizar o atendimento, esse espaço acaba funcionando como uma alavanca de competitividade e distribui de uma forma mais estratégica a carga horária da força de trabalho.
A maturidade da gestão de pessoas nos permitiu dar outro passo importante. Em um censo que conduzimos em 2020, descobrimos que a nossa operação tinha 98% de homens e 2% de mulheres. Sabíamos que havia uma diferença grande, mas a pesquisa estampou o número na nossa cara. Claro que ninguém dorme tranquilo com isso, e então nós começamos a trabalhar dentro das possibilidades. Nossa realidade é lidar com uma força de trabalho longeva e com um turnover baixo, e então pensamos que os novos projetos eram uma janela para abordar essa questão. Montamos o discurso de ter o primeiro parque eólico do Brasil operado 100% por mulheres, como é Tucano-BA, e repetimos isso em Cajuína-RN.
Antes de iniciar os projetos, também fizemos um censo nos locais em que os parques seriam instalados. Em Tucano, só havia 2,5% de emprego formal nas cinco cidades que circundam o empreendimento. A nossa abertura de possibilidade praticamente dobrou esse volume.
Claro que há desafios inerentes a esse processo. Temos trabalhado com o SENAI na Bahia e no Rio Grande do Norte para capacitar essas mulheres, conduzindo uma formação que considera a experiência da companhia no setor.
Outro ponto é que a nossa equipe de DE&I tem trabalhado fortemente desde 2020 na preparação do time, falando sobre vieses inconscientes e diferenças. Quando você começa a misturar pessoas, falando de gênero, raça, cultura ou nível social, isso só gera mais questionamentos do status quo.
Nossa experiência ainda é pequena, mas tem sido a melhor possível. Você realmente tem outra ótica, com coisas que não eram questionadas por que eram feitas assim por muito tempo. Programas que não tinham preocupações, como por exemplo o lado feminino sob ótica de violência doméstica, passaram a ter elementos que nunca haviam sido tratados pela companhia, fomentando o pensamento crítico. Acreditamos que projetos como esse vão trazer uma empresa mais inovadora e equilibrada, que vai conseguir ver aspectos que até então não via.
É óbvio que ao longo do tempo o que a gente quer com tudo isso é fazer uma mesclagem destes profissionais. Que eu consiga tirar gente do Nordeste, trazer para São Paulo e vice-versa. Aí sim podemos entrar num ciclo mais equilibrado sob a ótica de gênero. Mas os projetos foram a porta de entrada, e nós já temos visto resultados impactantes disso.
Gostaria que a liderança do setor de energia aproveitasse esse momento de expansão para fazer o mesmo questionamento: como a sua companhia tem aproveitado as novas janelas para desafiar o status quo e criar um time ainda mais diverso e inovador?