Curioso o raciocínio dos burocratas estatais quando se trata de justificar o que eles fazem – ou deixam de fazer. Acabam revelando certos vícios e peculiaridades do universo burocrático e estatal brasileiro, o que explica muitas de nossas agruras.
Foi o caso, esta semana, de um dos mais coroados burocratas da nova safra que apareceu no País com o advento da era Lula. Pressionado no Congresso Nacional para diminuir os preços da gasolina e do óleo diesel, uma vez que eles foram calculados para um petróleo muito mais caro – estão, em média, cerca de 30% acima do que deveriam custar, o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, saiu-se com algumas jóias do burocratês.
Ele avisou que não vai reduzir o preço da gasolina no Brasil porque, nas refinarias, o produto custa menos do que água engarrafada – como se uma coisa tivesse a ver com a outra e água não fosse um bem tão escasso quanto o petróleo (e, em termos de necessidade humana, muito mais precioso). E completou assim seu raciocínio: O que encarece a gasolina é a margem de lucro das distribuidoras e os altos tributos" (grifo nosso).
Ora, a Petrobras é dona da maior empresa de entrega de combustíveis no País – a BR Distribuidora. E Gabrielli é membro do governo, dirige uma estatal que vale muito mais do que duas dezenas dos trinta e tantos ministérios instalados em Brasília, tem prestígio no Palácio do Planalto, e é filiado ao partido-líder da coalizão governista. Tem tudo, assim, para mandar a BR reduzir sua margem de lucros e para liderar um processo de redução dos "altos tributos" que pesam sobre os combustíveis nacionais.
O presidente da Petrobras estava apenas tentando se justificar, pois a questão do preço da gasolina não deve ser vista por aí. Quem melhor definiu o tema foi o presidente Lula, há cerca de uma semana, ao tratar do mesmo assunto. Segundo Lula, mexer no preço do combustível, agora, é delicado porque a Petrobras precisa garantir recursos para cumprir seus ambiciosos planos de investimentos, contribuir com royalties e impostos para os cofres da União e, além do mais, precisa se ressarcir dos prejuízos que teve quando cobrou menos do que devia pela gasolina e pelo óleo diesel para não pressionar a inflação.
Lula define bem o que a maior parte da sociedade não percebe no caso dos preços dos combustíveis e, em parte, na atuação da Petrobras. O preço da gasolina é um preço político, é estabelecido de acordo com as necessidades políticas – a política dos políticos e a política econômica – do governo do turno. Demorou a ser reajustado no ano passado, no auge do crescimento do preço do barril de petróleo no mercado internacional para não pressionar a inflação. O aumento inflacionário, naquele momento de euforia, poderia forçar medidas mais drásticas na área de juro, na tentativa de contê-la e, com isso, tisnar a imagem presidencial. Quando o caixa da Petrobras começou a ficar comprometido, o governo soltou os preços, mas abriu mão de parte da receita, reduzindo a Cide.
A outra parte da declaração de Lula dá a outra medida do uso dos preços dos combustíveis: eles compõem uma espécie de “imposto oculto” que o governo cobra para cobrir suas necessidades. Com a gasolina e o diesel mais altos, a Petrobras arrecada mais, tem mais lucro e, em consequência, recolhe mais dinheiro aos cofres do Tesouro.
Além do mais, não precisa ter uma administração enxuta, manter a conta de custeio controlada para sobrar recursos para investimento. Faltou dinheiro para investir? Vamos buscar na gasolina. O caixa do Tesouro está baixo? Vamos buscar no diesel.
É fácil e imperceptível. O cidadão paga sem saber que está pagando. Se somarmos a isso a ineficiência governamental em áreas de sua (in)competência – o que obriga os indivíduos e as empresas a contratar segurança privada, buscar um plano privado de saúde, procurar escolas privadas para os filhos – enfim, todas formas ocultas de tributação, uma vez que já contribuímos para ter esses serviços com qualidade e não temos, veremos que a carga tributária no Brasil (ou seja,
o custo do Estado) é muito maior do que os quase 40% que aparecem nas estatísticas econômicas.